Translate

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

A Fonte da Perfeição.


A FONTE DA PERFEIÇÃO
J. Norinaldo. Conto.

Abel era um homem inconformado com a vida. Achava-se feio e pouco inteligente, por isso gastava a maior parte do seu tempo pensando porque tantas pessoas se sobressaiam pela sua beleza, outros, não tão belos, pela sua inteligência, e porque ele nascera tão comum. Como gostaria de ser perfeito. Quando passava pela rua somente as poucas pessoas que o conheciam o cumprimentavam, e ele sabia que aquilo era um gesto mecânico, não havia satisfação, empolgação ao faze-lo. Enquanto que, por outro lado, existiam pessoas que viviam a milhares de quilômetros da sua cidade, que jamais viriam até ali e, no entanto, eram conhecidas e admiradas por todos.
Assim vivia Abel, sempre pensando na perfeição, na beleza, na fama. Em riqueza não pensava muito, mesmo porque sabia que, se fosse perfeito, esta acabaria sendo incluída.
Tinha 30 anos, não era pobre, mas também não era rico, enfim, não podia se queixar. Continuava solteiro, talvez esperando encontrar a perfeição para depois decidir casar. Não era bonito, mas também nunca assustara ninguém, e por muitas vezes notou que havia garotas na sua cidade interessadas nele, porém ele não lhes dava chance. Sonhava com a perfeição.
Tinha poucos amigos, pois ninguém agüentava por muito tempo suas lamentações por não ser bonito e perfeito.
Um dia Abel saiu de sua casa e resolveu caminhar até onde pudesse. Pegou uma estrada de chão e foi, perdido em seus pensamentos (que quase sempre eram os mesmos), seguindo com um alforge com algum suprimento para sua viagem.
Caminhou por três dias, até que chegou a um lugar muito bonito, onde tudo era verde e grandes plantações se perdiam no horizonte. Ele admirava tudo e pensava: isto sim é perfeito! A natureza é perfeita! Tudo é perfeito, menos eu.
Estava cansado e com muito sono. Parecia dormir andando.
Numa curva da estrada, Abel viu uma frondosa árvore e que junto a ela havia alguém sentado. Apressou o passo, pois já estava há muito na estrada sem ter com quem conversar.
Foi se aproximando e quando pode distinguir bem de quem se tratava, viu que era um velho, muito velho, cabelos totalmente brancos e com uma longa barba também muito branca. Que fazia um homem naquela idade sozinho pela estrada? - pensou. Chegou mais perto e o saudou com um "boa tarde" (falou bem alto, pois pensou já dever ser surdo). O homem levantou os olhos, olhou para ele e respondeu com voz firme:
- Boa tarde, não quer sentar-se e descansar um pouco, à sombra? Aqui está uma delicia.
Abel sentou-se em uma pedra e começaram a conversar. O homem velho perguntou qual era o destino do rapaz, e este lhe respondeu que não tinha destino certo, que estava apenas caminhando sem rumo.
- Mas, sempre estamos buscando algo na vida. O que, na verdade, você procura meu jovem?
Abel teve então a chance de falar do seu assunto favorito. Disse ao homem que não se considerava bonito nem inteligente, que nunca se sobressaíra em nada e que, portanto, não era perfeito. Isto era o que buscava, encontrar a perfeição.
- Então, meu caro jovem, o destino guiou seus passos ao lugar certo. Posso ajudá-lo. Conheço o que você está procurando.
- Como assim? - surpreendeu-se Abel - o senhor sabe como eu posso encontrar a perfeição?
- Exatamente. Posso lhe indicar o caminho, onde você pode se tornar perfeito, como sempre sonhou. Mas, tem uma condição.
Abel olhou incrédulo para o velho e pensou: _ Ora, se soubesse realmente onde buscar a perfeição, seria ele um velho já no fim da vida?
Não acreditava numa só palavra do velho, mas mesmo assim prosseguiu com a conversa.
- E qual seria essa condição? - perguntou, fingindo interesse.
- Terá que ensinar depois esse caminho a todas as pessoas que realmente precisam da perfeição.
- Tudo bem. Eu aceito. Ensine-me o caminho e diga o que terei que fazer. Fica muito longe daqui? - perguntou.
- Não fica muito longe. Existem grandes atalhos por onde você logo chegará.
Abel pensou consigo mesmo: estou caminhando sem rumo, não me custa nada seguir a loucura desse velho, que deve ser caduco.
O velho lhe indicou o caminho a seguir, lhe deu algumas referencias e se despediu do rapaz, seguindo seu caminho. Abel se espantou com a firmeza dos seus passos.
Partiu, então, em busca da tão desejada perfeição e, em menos de seis horas de caminhada, encontrou a primeira referência dada pelo velho. Animado, prosseguiu sem sentir cansaço mais algumas léguas e chegou ao local indicado. Havia um grande portão de pedras (muito estranho àquela construção). Ao lado viu uma pequena guarita e um homem que parecia montar guarda ali.
Aproximou-se, deu boa tarde e explicou o que procurava. O homem, calmamente, lhe respondeu:
- Está no lugar certo amigo. Entre e logo à frente o receberão.
Completamente atônito, o rapaz seguiu por um estreito caminho, avistou uma casa de pedra e para lá se dirigiu; foi recebido por um senhor muito simpático, que o convidou a entrar e, após sentar, Abel contou como chegara até ali.
Foi informado que não precisava pagar absolutamente nada, teria apenas que ter fé e se banhar numa fonte ali existente.
Achou tudo muito fácil para ser verdade, mas se não cobravam nada, não podia ser mais um caso de charlatanice.
O homem, que se apresentou com o nome de João ao recebê-lo, bateu palmas e apareceu uma jovem a quem chamava de Raquel.
- Leve o visitante até a fonte - ordenou.
A mulher, sem dizer nada, apontou o caminho a ser seguido e saiu na frente.
Abel a seguiu com o coração aos pulos. Ele não cabia de felicidade, pois pelo jeito o velho estava certo e em fim, ele iria ser uma pessoa perfeita, conhecida e admirada por todos.
Caminharam alguns minutos por uma estradinha muito estreita, atravessaram um pequeno e lindo bosque, cheio de flores e pássaros, mas Abel não via nada, sua preocupação era outra.
Chegaram finalmente à fonte e Raquel se virou para ele dizendo:
- Pronto, chegamos. O que tem que fazer agora é entrar na fila e aguardar sua vez. Não tem mistério, quando chegar sua vez é só parar embaixo da fonte e, enquanto se banhar, o senhor deve pedir para ficar perfeito, pela Graça de Deus.
Dizendo isto a mulher voltou pelo mesmo caminho.
Abel então viu que uma grande fila se formava até a fonte, que era muito bonita, de água que jorrava de uma grande pedra escura formava a figura de espectro que não conseguiu identificar. Quando viu as pessoas que formavam aquela fila tomou o maior susto. Uma mulher tinha nos braços uma criança com a cabeça bem maior que o corpo. Que coisa horrível! Seguindo a fila, ele viu um homem com uma ferida que já lhe comera a metade do rosto e só tinha um olho. Mais na frente, uma moça não tinha braços nem pernas.
A cada passo que Abel dava mais apavorado ficava. Viu uma moça que, olhando por trás parecia perfeito, um corpo muito bonito, porém quando chegou a sua frente, quase caiu de costas: a moça só tinha um olho e um buraco no lugar do nariz. Algumas pessoas choravam muito ou gemiam alto.
Abel pegou o caminho de volta e se dirigiu novamente para a casa da trilha e lá encontrou João e Raquel, que atendiam mais pessoas sofredoras. Ele aguardou e quando estes puderem falar, João perguntou:
- Mas, foi tão rápido, o que houve?
Abel então olhou para o homem e disse:
- Meu amigo, eu não preciso daquela fonte. Fui egoísta o tempo todo comigo mesmo, pois nunca me preocupei com os problemas do meu próximo; a minha vaidade e egoísmo nunca me deixaram ver que existem pessoas com problemas bem maiores e que se não fosse meu egoísmo, eu poderia me sobressair como sempre sonhei ajudando essas pessoas - disse revoltado, continuando em seguida - Não me banhei na fonte, porque descobri que sou perfeito. Eu sempre fui fisicamente perfeito, minha mente é que estava atrofiada - constatou - mas foi muito boa minha visita aqui, pois agora que realmente consegui ver a imperfeição e que sou e sempre fui perfeito, já sei muito bem o que fazer.
- E podemos saber o que o amigo resolveu fazer a partir de agora - perguntou João.
- Claro! Primeiro pedir perdão a Deus pelas minhas blasfêmias, perder a mania de querer me sobressair e recuperar o tempo que perdi dizendo bobagens sobre perfeição, pois era a única coisa que fazia. E a partir de hoje, vou sair pregando esta lição que aqui aprendi, e tentar ajudar aqueles que realmente precisam de ajuda. Agora eu sei que nunca fui capaz de olhar para trás e que sofria tanto com o sucesso dos outros que me tornei incapaz de construir o meu próprio. Agora não quero mais tomar seu tempo, amigo, sei que é uma pessoa muito ocupada. Muito obrigado e adeus.
Abel acordou assustado. Estava sentado sob aquela árvore. Olhou em volta para ver se encontrava o velho, mas tudo fora um sonho, mesmo que não lembrasse de ter dormido. Sonho ou não, estava muito real em sua mente e cumpriria a promessa que fizera, pois sabia que aquelas pessoas que vira na fila da fonte eram apenas parte de um sonho, mas que nosso mundo estava cheio delas e que precisavam de ajuda.
Abel voltou a sua cidade. Uma semana passou e ninguém o reconhecia. Tempos depois ele era visto com uma multidão a sua volta enquanto ele pregava a Palavra de Deus, sem "ter igreja" nem cobrava nada, pelo contrário, ajudava no que podia as pessoas necessitadas. Nunca esqueceu o velho do sonho (não tinha certeza, mas achava que sabia quem era).

1 comentário:

e u disse...

Olá amigo, escolhi o conto pra deixar meu primeiro comentário.
Adoro contos, mais que poesias até... e devo dizer que adorei esse também.
Enquanto estive lendo, já previa, de certa forma, o final... mas me surpreendi.
Muito interessante e uma linda lição a todos nós. Parabéns!
Fico aguardando outros contos.
Beijos... e até mais.
eliana (sua amiga do orkut)